sexta-feira, 12 de julho de 2013

O infortúnio de Douglas

Douglas tinha 21 anos e uma só paixão: o Botafogo. Mas a paixão não era nem um pouco correspondida. Desde o exato ano do seu nascimento, 1968, o Glorioso nunca mais tinha conquistado uma taça.

Entretanto o amor de Douglas era incondicional. Fizesse chuva ou sol, lá estava ele incentivando os jogadores alvinegros.

O ano de 1989 parecia ser igual aos outros. No turno do campeonato carioca o time quase chegou... quase. O returno estava indo pelo mesmo caminho. Tomava uma roda do Flamengo de Zico, Leonardo e Bebeto. O placar apontava 3x1 na metade do segundo tempo e o quarto gol parecia questão de minutos, mas dois gols no final, o ultimo do volante Vitor, transformam uma provável goleada num empate heróico

Na geral do Maracã, Douglas chora ajoelhado ao lado dos seus primos Paulo Valentim e Quarentinha (o nome dos dois guris foi uma homenagem a dois grandes atacantes da década de 50).

Os três vão pra casa sorrindo e cantando a plenos pulmões:

Botafogo, Botafogo,
Campeão desde 1910
Foste herói em cada jogo
Botafogo
Por isso é que tu és
E hás de ser
Nosso imenso prazer
tradições,
Aos milhões tens também
Tu és o Glorioso
Não podes perder,
Perder pra ninguém
Noutros esportes
Tua fibra está presente
Honrando as cores
Do Brasil de nossa gente
Na estrada dos louros,
um facho de luz
Tua estrela solitária
Te conduz
Botafogo!

O final dessa primeira parte da história não poderia ser mais feliz: Botafogo conquistou o campeonato estadual de 1989. Na primeira partida da decisão contra o Flamengo, empate em 0 a 0, mas na segunda partida, o Botafogo consegue vencer o Flamengo por 1 a 0 com gol do atacante Maurício. No estádio Douglas delirava de emoção. A corrida desenfreada do ponta direita foi acompanhada com lágrimas por nosso herói.

O Fogão era campeão carioca, mas isso era apenas um detalhe na vida dele. Na festa da vitória, Douglas conheceu àquela que seria o primeiro e único amor da sua vida. A bela Mariana, sobrinha neta do mítico lateral esquerdo Nilton Santos, chamado de a Enciclopédia do Futebol pelo cronista Nelson Rodrigues.

Foi amor a primeira vista. Mariana e o nosso herói beijaram-se ao som do gritos de guerra das organizadas alvinegras. Ali nascia um amor, mas, mal sabia Douglas, que custaria outro.

Mariana e Douglas viveram três anos de sonhos. Viram juntos o Fogão ser bicampeão carioca em 1990. Transaram 812 horas ininterruptas para comemorar a façanha.

Douglas era felicidade pura. E para melhorar o alvinegro passava nas quartas por Bragantino, Corinthians e Cruzeiro e estava na final do campeonato brasileiro de 1992.

O Botafogo precisava de apenas dois empates para ser campeão brasileiro pela primeira vez. O adversário era o Flamengo, adversário que trazia enormes alegrias aos botafoguenses. Como esquecer os dois gols de Garrincha na final de 62, ou o gol de Maurício em Zé Carlos que encerrou o jejum Botafoguense.

Douglas avistava dias lindos no horizonte próximo. Doce engano...

Faltava meia hora para o clássico. A festa era linda no Maracanã. De um lado, os flamenguistas com sua faixa: somos todos menos alguns. Do outro lado, a fanática e sofrida torcida do Botafogo. Dia inesquecível aquele 12 de julho de 1992.

Nosso herói, Douglas, entretanto não olhava para o campo, nem gritava com os “irmãos” da Fúria Jovem. Seu olhar era em direção ao portão de acesso, onde já deveria a mais de hora ter cruzado Mariana.

Ele estava no lugar certo do estádio. Daquele ponto, os apaixonados Douglas e Mariana viram o Botafogo triturar seus adversários e chegar a final do campeonato brasileiro. Onde estaria Mariana?

Apita o juiz e começa a decisão. E nada da Mariana entrar no estádio. Douglas foi o único que não viu, pois olhava para o portão em vez do gramado, os que os 117 mil presentes ao campo foram testemunhas oculares. O lateral esquerdo do Flamengo, Piá, desce pelo flanco e rola na entrada da área para Júnior marcar. Festa rubro negra.

O Flamengo fez mais dois gols no primeiro tempo. Fim de jogo. Três a zero e a sorte do campeonato praticamente selada. Douglas viu pouco do jogo, pois Mariana não apareceu. Na saída, comentou com amigos preocupado sobre a ausência da amada. Um acidente, alguma morte na família inesperada?

Nada disso, mas Douglas só saberia o real motivo horas depois...

“Oi seu Agenor, desculpe incomodar, mas é que eu estou preocupado com a Mariana. Ela não apareceu no Maracanã”, questionava Douglas ao pai da moça, tentando esconder a voz de preocupação.

“Douglas, a Mariana não foi ao jogo. Ela está no quarto. Já chamo”, respondeu docemente o sogro, gaúcho de Santana do Livramento e torcedor doente do 14 de Julho.

Dez minutos e alguns gritos ao fundo depois, Mariana finalmente atendeu o nosso protagonista. “Douglas, gostaria de marcar contigo naquele bar em Madureira às quatro horas desta terça-feira. A gente precisa conversar”, falou seca e direta.

Douglas ainda tentou perguntar o motivo da ausência dela no jogo e a derrota desastrosa, mas nada a impediu de desligar prontamente o telefone.

Na hora e no dia marcado, lá estava Douglas, com os nervos a flor da pele, a espera do seu amor. Mariana não economizou palavras ou se estendeu nas explicações. Foi direta ao ponto e da sua voz saíram palavras cruéis que marcariam a carne e a alma do nosso herói para sempre.

“Estou apaixonada pelo Francisco e ele por mim”, bradou Mariana.

Douglas balbuciou apenas, mas o Francisco é...e ficou sem palavras e assim permaneceu durante quase três anos, em um estado catatônico. Qual o motivo? Quem é Francisco?

No parágrafo acima, Douglas ficava perplexo quando soube da paixão de Renata por Francisco.

Para entender melhor essa história, meus três leitores, vamos voltar no tempo, mais precisamente para o final dos anos 50 em Santana do Livramento. Um jovem Agenor dava a notícia aos seus pais: iria cursar engenharia em Porto Alegre. Em 1968 pintou a chance (já estava formado) de ir trabalhar na Petrobrás no Rio de Janeiro.

No Rio, em 1970, conheceu uma menina e apaixonou-se perdidamente por ela. O nome dela Miriam. Linda dos pés a cabeça. Sobrinha do lendário lateral esquerdo do Botafogo, Nilton Santos, a moça também se encantou por aquele rapaz bem afeiçoado, com gostos refinados e uma carreira promissora.

Dois anos depois nascia desse amor Mariana. Linda como uma Helena. Inteligente como a imperatriz Catarina da Rússia. Ousada como uma Mata Hari.Para desespero do pai, desde pequena, em função dos parentes cariocas, revelou sua paixão pelas cores alvinegras do Botafogo.

Quando tinha dez anos Mariana acompanhou os pais a uma festa da empresa. Era a primeira vez que a família de seu Agenor tinha contato com um jovem loiro e bronzeado de sol, um verdadeiro Menino do Rio. Recém-contratado pela empresa, Francisco exalava beleza por cada parte do jovem corpo prestes a entrar na vigésima quinta primavera.

Foi amor à primeira vista...Francisco e...Agenor estavam completamente apaixonados desde primeira cruzada de olhares. Por um tempo, Agenor negou o sentimento, mas depois se entregou de corpo e alma ao jovem “Apolo”.

Dona Mirian entendeu, mas não suportou os olhares de desaprovação da sociedade carioca. Foi para e Europa e permaneceu por lá durante anos. Mariana ficou sob a tutela do pai e de Franscico. Agora eles formavam uma família diferente, mas feliz. Copacabana, bairro onde residiam, era testemunha ocular de tanta felicidade.

Infelizmente, tal como numa peça Rodrigueana, a enteada se apaixonou pelo padrasto e foi correspondida. Por infortúnio, nosso herói, Douglas, estava no meio deste turbilhão.

Como relatamos no final do último capítulo, o impacto da notícia deixou Douglas catatônico.
Ele levaria três anos para se recuperar...continua

Epílogo:
Seu Agenor não suportou a dupla traição e matou-se enforcado com a mangueira do chuveiro. Seu corpo foi cremado e as cinzas atiradas no gramado do estádio do 14 de Julho.

A dor na consciência pela morte do pai foi demais para Mariana. Ela perdeu totalmente a razão e hoje vive em uma casa para doentes mentais em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. A mãe à visita com frequência. Os funcionários da casa me revelaram que Dona Miriam fica olhando para a filha com um sorriso enorme no rosto e sempre profere a mesma frase: você me vingou, filha adorada.

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