sexta-feira, 1 de julho de 2011

Abaixo os futurólogos


Ando com preguiça e sem tempo. Então, vou colocar aqui outro texto que eu achei simplesmente sensacional. É da Folha de São Paulo

Previsões de especialistas, ou o engodo em que queremos acreditar


A mídia nos bombardeia diariamente com as previsões de especialistas sobre o futuro da Grécia, do euro, da economia americana, sobre o preço do petróleo e o comportamento das Bolsas, para citar uns poucos temas candentes. Esses experts mais erram do que acertam, mas nem por isso deixamos de recorrer a eles sempre que o horizonte se anuvia. Como explicar o paradoxo?

Uma boa tentativa é o recém-lançado 'Future Babble" (balbucio sobre o futuro), do escritor e jornalista Dan Gardner. A obra, que tem como subtítulo "por que as previsões de especialistas são quase inúteis, e você pode se sair melhor sozinho", recorre a um gostoso e informativo "blend" de estatística, física e psicologia para explorar o tema.

As passagens mais divertidas do livro são sem dúvida aquelas em que o autor mostra, com exemplos e pesquisas científicas, quão precária é a previsão econômica e política.

Um caso emblemático é o do professor de Stanford Paul Ehrlich, que, em "A Bomba Populacional", seu best-seller de 1968, escreveu: "A batalha para alimentar toda a humanidade acabou. Nos anos 70, o mundo passará por grandes fomes --centenas de milhões de pessoas morrerão de inanição". Um confronto da previsão com os fatos mostra que, entre 1961 e 2000, a população mundial dobrou, e a quantidade de calorias "per capita" aumentou em 24%.

Caco Galhardo/Folhapress

Ehrlich é peixe pequeno? Num célebre discurso de 1977, o então presidente dos EUA, Jimmy Carter, ancorado nos conselhos dos principais experts do planeta, conclamou os americanos a reduzir drasticamente a dependência de petróleo de sua economia, porque os preços do hidrocarboneto subiriam e jamais voltariam a cair, o que inevitavelmente destruiria o "american way". Oito anos depois, as cotações do óleo despencaram e permaneceram baixas pelas duas décadas seguintes.

OK. Um cético pró-especialistas sempre pode alegar que Gardner está escolhendo de propósito alguns exercícios de futurologia que deram errado apenas para ridicularizar a categoria toda. Para refutar essa objeção, vamos conferir algumas abordagens mais sistemáticas do problema.

Em 1984, a revista britânica "The Economist" pediu a 16 pessoas que fizessem previsões sobre taxas de crescimento, câmbio, inflação e outros dados econômicos. Quatro dos entrevistados eram ex-ministros de Finanças; quatro eram presidentes de empresas multinacionais; quatro, estudantes de economia de Oxford; e quatro, lixeiros de Londres.

Uma década depois, as predições foram contrastadas com a realidade e classificadas pelos níveis de acerto. Os lixeiros terminaram empatados com os presidentes de corporações em primeiro lugar. Em último ficaram os ministros --o que ajuda a explicar uma ou outra coisinha sobre governos.

Caco Galhardo/Folhapress

Em 1999, a hoje extinta revista "Brill's Content" comparou as previsões políticas de dois "pundits" da TV com as de um chimpanzé chamado Chippy, treinado para sortear cartões. Chippy acertou 50% de seus prognósticos, contra 33% e 47% de seus adversários.

O golpe de misericórdia contra os especialistas veio em 2005, quando o psicólogo Philip Tetlock publicou seu estudo clássico sobre o tema, no qual coletou durante 20 anos cerca de 28.000 previsões acerca da economia e de eventos políticos feitas por 284 experts em diversos campos e de diversas orientações políticas. A conclusão básica é que eles se saíram milimetricamente melhor do que o acaso.

O mais interessante, porém, foi constatar que os futurólogos mais veementes foram os que mais feio fizeram. Entre estes, os otimistas se dão ligeiramente melhor que os pessimistas. Os primeiros atribuíram uma probabilidade de 65% para cenários róseos que se materializaram em apenas 15% da ocasiões. Já os apocalípticos atribuíram 70% de probabilidade para desfechos sombrios, que só aconteceram em 12% das situações.

Os especialistas que conseguiram bater a média do grupo e superar os 50% de acerto esperados pelo livre-chutar foram os que coletavam suas informações em múltiplas fontes e chegavam a desconfiar de suas próprias previsões.

Caco Galhardo/Folhapress

Alvo
A razão para tantas dificuldades em adivinhar o futuro é de ordem física. Nós nos habituamos a ver a ciência prevendo com enorme precisão fenômenos como eclipses e marés. Só que esses são sistemas lineares ou, pelo menos, sistemas em que dinâmicas impostas pelo caos podem ser desprezadas. E, embora um bom número de fenômenos naturais seja linear, existem muitos que não o são. Quando o homem faz parte da equação, pode-se esquecer a linearidade.

A analogia que cabe aqui é com a previsão meteorológica. Os modelos funcionam bem para um período de 24 horas. Se queremos um prognóstico para dois dias, o índice de acerto cai consideravelmente. Previsões para mais de duas semanas já são completamente inúteis.

Se assimilássemos bem essa lição, só levaríamos minimamente a sério experts que expressassem suas previsões na forma 'há x% de probabilidade de que o cenário y se materialize'. O histórico de acertos (quando o x% de probabilidade de fato ocorre em x% das previsões) é que faria o bom ou o mau nome do especialista.

No mundo real, porém, não é o que acontece. A mídia e o público valorizam mais os peritos que têm mais certezas, mesmo que isso vá contra os fundamentos da epistemologia. Não importa muito que esses experts sejam justamente os que mais erram. Ninguém exceto Tetlock mantém uma contabilidade mesmo. Aqui, saímos do reino da física para entrar no da psicologia.

Uma das mais importantes descobertas da neurociência é que boa parte de nossas decisões são tomadas não pelo que nos acostumamos a chamar de razão, mas por sistemas não conscientes que atuam quase que instantaneamente, com base em inclinações, gostos ou hábitos.

A maioria das pessoas tem posição quase instintiva sobre o aborto, por exemplo. É só depois que a razão entra para tentar justificar com argumentos a preferência inicial.

É claro que podemos acabar modificando, através de raciocínios lógicos e evidências, nossas posições naturais. Mas, mesmo assim, algo delas fica. Isso é demonstrado de forma escatológica por experimentos nos quais pessoas se recusam a beber num penico, mesmo que ele seja novo ou tenha sido totalmente esterilizado, ou a comer doces que imitam o formato de fezes.

Não é só. Nossos cérebros também trazem de fábrica alguns vieses que tornam nossa espécie presa fácil para adivinhos. Procuramos tão avidamente por padrões que os encontramos até mesmo onde não existem. Temos ainda compulsão por histórias, além de um desejo irrefreável de estar no controle.

Assim, alguém que ofereça numa narrativa simples e envolvente uma explicação sobre o mundo já estará apelando a várias de nossas preferências inatas. Se esse modelo trouxer ainda a perspectiva de predizer o futuro, vendê-lo a incautos é quase tão fácil quanto roubar doce de criança. Não é por outra razão que oráculos, profecias e augúrios estão presentes em quase todas as religiões.

Como diz Gardner, "vivemos na Idade da Informação, mas nossos cérebros são da Idade da Pedra". Eles não foram concebidos para processar probabilidades, frequências relativas e o papel do acaso, que estão no cerne do conhecimento científico atual. Nós continuamos a tratar as falas dos especialistas como se fossem auspícios divinos. Como não poderia deixar de ser, frequentemente quebramos a cara.

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